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O projeto Solidariedade (Solidarity em inglês) realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 405 hospitais de 30 países pelo mundo, buscou avaliar a eficácia de alguns medicamentos já existentes e que tiveram bons resultados em pesquisas “in vitro” (em células) no tratamento de pacientes com COVID-19.
O Solidariedade avaliou se alguma das drogas dentre Remdesevir, Hidroxicloroquina/cloroquina, Interferon Beta e Lopinavir combinado com Ritonavir teriam efeito em reduzir os dias de hospitalização, o curso e agravamento da doença e número de mortes dos pacientes. Participaram deste estudo mais de 11 mil pacientes. O remdesevir se trata de uma droga antiviral que foi desenhada em laboratório para combater o Ebola mas que não foi eficaz para esse fim, enquanto a hidroxicloroquina e cloroquina são remédios para o tratamento da malária, o interferon beta é um imunomodulador usado no tratamento de esclerose múltipla e lopinavir e ritonavir são antirretrovirais usados na tratamento e controle da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). No começo do estudo, dados preliminares do remdesevir eram animadores: uma diminuição de até cinco dias de hospitalização! Mas com a continuidade do estudo, e outros hospitais pelo mundo testando, o efeito se mostrou fraco, se diluiu. Em um estudo de acompanhamento de 28 dias, o remdesevir não foi capaz de diminuir a mortalidade e agravamento da doença. Enquanto isso, os outros medicamentos também não tiveram efeito algum nos desfechos analisados, e ao fim de seis meses de pesquisa nenhum dos medicamentos testados pela OMS mostraram pouco ou nenhum efeito na mortalidade ou curso da hospitalização.
Imagem de comprimidos e cápsulas de medicamentos. Fonte: Steven Depolo.
O próximo passo na busca para um tratamento eficaz para a COVID-19, declara a OMS, é testar novas drogas antivirais, imunomoduladores e anticorpos monoclonais contra SARS-CoV2. Imunomoduladores, previamente conhecidos como imunossupressores, são substâncias capazes de modular, ou seja, controlar de certa forma, a maneira que o sistema imunológico funciona, caso do interferon beta mas também de corticoides. Anticorpos são proteínas que o corpo produz para atacar um alvo específico, sendo hoje possível produzir sintéticos em laboratório e usar no tratamento de doenças como o câncer por exemplo, doença que “dribla” o sistema imune.
O Reino Unido também realizou testes clínicos randomizados buscando um tratamento efetivo para a COVID-19, o projeto chama-se "Recovery" (em tradução livre, "recuperação"). Os ingleses foram um pouco mais sortudos: entre as drogas testadas estava a Dexametasona, anti-inflamatório do tipo “corticoide”, que foi capaz de diminuindo em até 30% a mortalidade de pacientes entubados, e sendo também eficaz para pacientes com suporte respiratório que não a ventilação mecânica. A dexametasona é ainda, a única droga aprovada e reconhecida como um tratamento eficaz para a COVID-19, porém sua eficácia é apenas em estágios graves. A inclusão do anti-inflamatório no estudo se dá pela “tempestade de citocinas” e estado exageradamente inflamatório que os pacientes com COVID-19 apresentam. Citocinas são moléculas inflamatórias, que comunicam ao corpo a inflamação e geram diversas reações para combater o vírus. Entretanto, quando essa reação é descontrolada pode acabar gerando prejuízos sérios ao corpo e piorar o quadro ao invés de melhorar. E é aí que a dexametasona entra. A dexametasona ainda tem como benefícios o baixo-custo, produção em larga escala facilitada, possibilidade de uso por comprimidos, e ser um fármaco seguro e aprovado há mais de 60 anos para o uso como anti-inflamatório. Mas nos estágios iniciais e para a prevenção, ainda não há tratamentos comprovados, nem a dexametasona.
Figura representativa de leucócitos (células do sistema imune) liberando citocinas. Fonte: Wikimedia Commons.
Enquanto isso, o Brasil incentiva o uso precoce do “kit COVID”, com hidroxicloroquina, azitromicina (antibiótico) e os antiparasitários ivermectina e nitazoxanida. Porém, nenhum destes remédios se mostrou eficaz em diminuir o número de mortes, sintomas ou dias de hospitalização. A última “arma secreta” do Ministério da Ciência Tecnologia, Inovação e Comunicação – MCTIC era a nitazoxanida, que não teve efeito nos principais desfechos analisadosmostra efeito em diminuir sintomas e internações apenas após mais de 5 dias de tratamento (período em que grande parte dos participantes já havia saído do estudo), período esse que não fazia parte da hipótese principal e em que não havia mais toda a amostra de voluntários. Pode parecer promissor ainda usar o “vermífugo” de nome comercial Annita, mas o estudo também teve problemas de cegamento, já que o remédio altera a cor da urina, acrescendo mais um viés ao estudo. Pelo que sabemos até agora, demora sete dias para melhorar sem tomar nenhum medicamento, e uma semana se tomar. Por fim, o MCTIC usou um gráfico genérico de banco de imagens para divulgar os dados em propaganda, sem apresentar os valores reais.
Imagem do gráfico utilizado pelo MCTIC para a divulgação de dados e ao lado, imagem original do banco de imagens. Reprodução de Folha de São Paulo.
Sem tratamentos eficazes para os estágios iniciais e moderados da doença, o desespero e incômodo é constante. Talvez por isso o uso indiscriminado de medicamentos ineficazes “se não funcionar, mal não vai fazer”, mas aí que se enganam. O uso destas medidas pode trazer uma falsa sensação de segurança, além de trazer efeitos adversos dos medicamentos, atrapalhar tratamentos em andamento, gerar escassez dos medicamentos e aumento dos preços, e em último caso até piolhos resistentes.
Ainda que os resultados recentes da eficácia das vacinas em desenvolvimento como a da Sinovac com o Instituto Butantan e da AstraZeneca sejam animadores, vale lembrar que ainda precisamos lidar com questões de produção, compra e logística de distribuição, que devem ser amparadas pelo governo federal, que infelizmente demonstra uma posição negacionista e partidária em relação as vacinas. Esse posicionamento é refletido em uma polarização do tema na população. De acordo com pesquisa Datafolha publicada em dezembro deste ano, 22% não pretende vacinar-se contra COVID-19. A previsão com esse andamento de baixa e tardia vacinação é de que tenhamos a segunda, a terceira e até a quarta onda. O melhor remédio continua sendo o uso correto de máscaras e evitar aglomerações.
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Esse texto foi escrito pela Letícia, que é biomédica e mestranda no departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, onde estuda as relações entre o comportamento e o cérebro. Letícia tem muitos gatos e gosta de apertar eles e tirar muitas fotos dos fofuchos!! Letícia também coordena o blog aqui, e a cidade de São Paulo no Pint!
Fontes:
https://www.kcl.ac.uk/news/study-identifies-those-most-risk-long-covid
https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.10.15.20209817v1
https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.10.19.20214494v1
https://www.nature.com/articles/d41586-020-01824-5
https://www.nature.com/articles/s41577-020-00421-x
https://outline.com/jMBnxp