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Não, não foi.

Mas muito provavelmente, você conhece alguém que acredita que foi sim. Que não acredita na pandemia, nos riscos, nos dados, na quarentena, enfim: não acredita no novo coronavírus. Ou talvez seja uma arma biológica, uma estratégia econômica. Este post vem para clarear um pouco do comportamento humano que nos leva a acreditar em teorias da conspiração e traz uma ideia de como confrontar essas ideias. No caso particular do coronavírus, nós temos os negacionistas (negam o vírus) e os conspiracionistas (acreditam em versões distorcidas da realidade).

Negacionista ou conspiracionista, essas pessoas não são idiotas, burras, ou más. Então, tratá-la como tal, e usar de linguagem agressiva ou inferiorizar a pessoa por acreditar,talvez não seja  eficiente, porque você cria uma postura defensiva que só fortalece a crença dela. O problema? Apresentar os dados e explicá-los, por mais didático que seja, também não costuma surtir efeito, afinal estamos inundados de informação de qualidade disponível (apesar de ter tanta fake news quanto). Não perca a paciência ainda, nos acompanhe enquanto abordamos as raízes do problema: as teorias da conspiração (aqui, pense que a negação de um fato, também é um tipo de conspiração, por isso daqui em diante trataremos os termos como sinônimos).

 

File:CONSPIRACY THEORIES (6149055823).jpg - Wikimedia Commons

Fonte: wikimedia.commons

Nos anos 60, acreditava-se na psicologia que teorias da conspiração eram de certa forma, patologias, doenças. Delírios. Mas hoje sabemos que, em sua grande maioria, as pessoas que acreditam que somos governados por reptillianos não estão delirando e não são dementes. O ser humano busca explicações para tudo, assim nasceu a filosofia e a própria ciência. Porém, temos alguns maus-hábitos neste processo, que podem ter sido herdados da evolução. Gostamos de explicações causais para acontecimentos (post hoc ergo propter hoc; do latim "depois disso, logo, causado por isso). Some a isso uma notável capacidade de perceber padrões, até onde não existem padrões. Um exemplo: eu comi miojo, fui pro banho e passei mal. Logo eu passei mal porque comi o miojo e tomei banho. Portanto, não se pode comer miojo e em seguida tomar banho. Achamos um padrão de acontecimentos. Este parágrafo acaba de entregar um dos principais motivadores psicológicos para teorias da conspiração: a compreensão, o entendimento do ambiente.

Além da causa, precisamos de um culpado. O miojo. Culpar algo que você conhece, que é tangível. Voltando ao tema,é muito mais fácil culpar uma pessoa ou um país do que a evolução, principalmente se você não souber exatamente o que a teoria da evolução é, ou talvez nem acredite. Desta forma, conhecimentos da biologia não parecem parte da explicação, porque não são compreendidos no todo, ou são desacreditados. É muito mais seguro acreditar naquilo que você compreende e já toma como verdade. Esse é o fator “existencial” que sustenta as teorias da conspiração de acordo com a psicologia.

Com o exemplo acima, definimos uma das características  que mais nos atrai em teorias da conspiração: elas tem um culpado específico. E junto com isso, outro fator importante: essa é a verdade, que tenta lutar por entre os céticos do seu tempo. Reconhecer coligações estranhas, padrões que podem ter resultados ruins, pode ter sido muito útil outrora na vida humana, quando de fato haviam conspirações contra grupos menores de hominídeos, e conspirações podiam ter graves consequências. Assim, a conspiração sempre tem inimigos: a indústria farmacêutica, a NASA, os de fora. Pronto! Cria-se uma sensação de perseguição pelo esclarecimento, e de dúvida das notícias oficiais. Você só acredita naquilo que vêm dos seus pares.

Ah, e como tem pares! Outra causa que leva a adesão de teorias da conspiração, é o sentimento de parte de um grupo, de uma comunidade. Como a culpa de tudo que ruim que acontece é dos OUTROS, e não dos próprios componentes do grupo, são todos heróis. Os conspiracionistas e criadores de fake news, criam uma  comunidade que se retro-alimenta. Teorias da conspiração não são um delírio coletivo, mas elas não precisam ser. A comunidade se fortalece, e as ideias coletivas ganham cada vez mais força. Mas isso não é uma exclusividade de terraplanistas e filiados, todos temos uma tendência ao viés confirmatório. No exemplo do miojo + banho = passar mal; se eu converso com outra pessoa que teve a mesma experiência, eu generalizo e fortaleço essa opinião. Não importa se eu estava com febre e doente, ou se a outra pessoa já dava sinais de mal estar Com certeza, a culpa é do miojo. Cria-se uma narrativa que distingue da realidade.E assim prospera uma comunidade auto-confirmatória, que fortalece sua opinião, de forma a se tornar uma crença e moldar suas ações. Teorias da conspiração são muito populares e tem grande penetrância na sociedade. É claro que variam bastante no grau de plausibilidade da teoria; desde teorias que a luz da ciência e da lógica se tornam risíveis como a Terra ser plana, até teorias teoricamente possíveis ou até mesmo plausíveis; como estarmos sendo constantemente vigiados pela tecnologia que nos cerca. 

Voltemos a Ciência. Por que existe dificuldade em dar crédito a ela? A ciência tem, aos olhos da conspiração, uma grande falha: ela não é feita de vereditos imutáveis. Ainda mais (na atualidade), quando se trata de uma doença nova e emergente, com suas particularidades, e com a qual aprendemos todos dia algo novo.Nessas condições, as orientações podem mudar, como por exemplo recomendar ou não o uso de máscaras pela população geral, ou ainda, a utilização ou não de determinado medicamento

Aqui temos o  problema. Essa mutabilidade, que é a grande beleza da ciência, pode parecer aos olhos de alguns como "eles não sabem nada, mudam toda hora as orientações". E no meio desse caos, e excesso de informações e desinformações, teorias sem fundamento, mas que trazem uma “certeza” parecem mais atraentes.

Nas próximas semanas iremos rebater algumas das fake news que vêm surgindo para o combate e prevenção do coronavírus (desinfetante, água tônica, metanol etc), e daremos dicas sobre como tentar trazer seu colega negacionista de volta a realidade!

Comente com a gente se você conhece ou é alguém que adora uma teoria da conspiração!!

Para ler mais:

Livro Suspicious Minds

Matéria da BBC sobre a neurociência por trás https://www.bbc.com/portuguese/geral-42156199

https://www.technologynetworks.com/neuroscience/videos/a-neuroscientist-explains-what-conspiracy-theories-do-to-your-brain-323919

Mais um artigo no tema (aborda aprendizado e memes, mas não os memes de facebook)

Para ler mais sobre como o vírus evoluiu e não veio de criação humana

Fake ou fato?

https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2020/03/30/coronavirus-nao-foi-criado-em-laboratorio-pelo-partido-comunista-da-china.htm

boatos.org

Dica bônus para quem leu até aqui: O Google agrupou as estatísticas de casos confirmados, recuperados e mortes, basta pesquisar "Coronavirus Stats" e escolher qual país quer acompanhar.

Fontes:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6238178/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5724570/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6282974/