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       Esse ano eu fiz uma das maiores descobertas da minha vida: As plantas podem ver!1. E não só ver, mas é possível que uma planta chamada Boquila trifoliata (a planta da imagem de capa) use essa visão primitiva para imitar o tamanho, forma e cor das folhas da outras plantas. Isso não é incrível? Muito melhor que um camaleão.

Então eu fiz o que qualquer pessoa que não sabe nada sobre plantas faria, dei um Google.

       E sabe o que eu acabei descobrindo? Que no Brasil, dados do Ministério de Ciência e Tecnologia nos mostram que a confiança da população nos cientistas é relativamente alta2, mas essa confiança parece não sobreviver ilesa a toda informação produzida pela internet. É tanta coisa que tem na rede, que bobeou caiu na avenida terra plana com rua antivacina.

       Infodemia (info de informação e demia de pandemia) é uma palavra que representa esse mar de informações que estamos inseridos. Em 2020 a OMS classificou a infodemia como um sério risco de saúde pública, especialmente pela explosão de Fake News sobre a COVID19.

       Só para ter uma ideia: em cinco meses mais de 2000 boatos foram criados sobre o novo coronavírus3. Esse problema fica ainda pior quando estudo de dispersão de informação nos mostra que notícias falsas se difundem 6 vezes mais rápido e possuem maior probabilidade de serem compartilhadas que verdadeiras devido ao grande apelo emocional e aparente novidade4.

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Tradução livre do texto da imagem: Tente parar a disseminação de informação falsa.

       Um dos primeiros danos das noticias falsas é dificultar o acesso às informações confiáveis. Não é de estranhar que mais de 50% das pessoas relataram estarem confusas sobre as orientações sobre a COVID-19, apesar de possuírem uma percepção de estarem informadas5. E muito mais importante, noticia falsa mata, seja diretamente, como no caso do Irã que viu esse ano um aumento exponencial nas intoxicações por metanol após boato de cura do COVID19 com álcool, ou indiretamente quando, por exemplo, afasta as pessoas da vacinação.

       Nem sempre o conteúdo é inteiramente fabricado. Muitas vezes essas notícias utilizam uma interpretação  alternativa de dados reais ou supervalorizam resultados preliminares. E esse foi o caso da falsa associação entre vacina tríplice viral com autismo, especulado em um artigo científico há mais de 20 anos, mas veementemente refutado e que municia até hoje discursos de movimentos antivacina contribuindo para queda na vacinação e elevando o risco da reintrodução de doenças consideradas erradicadas. Mais recentemente discursos políticos que interferem em avaliações técnicas de órgãos da saúde convergem com esses discursos e influenciam o imaginário popular potencialmente reduzindo a adesão a imunização contra COVID196.

       Por tudo isso, não confie em tudo que lê, cheque muito bem antes de compartilhar, (principalmente) confie nas instituições de saúde, duvide da sua própria interpretação (não é incomum dar mais crédito a publicações que confirmem nossos pré-conceitos) e escolha “mentores” (eu mesmo adoro o blog do Pint, o ciência inForma, Natalia Pasternak com o Instituto Questão de Ciência e tantos outros).

       Ah! E a planta? Parece ficção científica né, mas Stefano Mancuso defende mesmo em seu livro “Revolução das plantas” que ela copia porque vê1. O fato é que isso ainda é só uma hipótese. Incrível, diga-se de passagem. E tudo bem, a ciência não tem todas as respostas, eu muito menos. Aliás, em tempos de Google preciso até me exercitar a dizer “não sou capaz de opinar sobre isso...”, mas (talvez) sei quem saiba!

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Esse texto foi escrito por Guilherme Ferreira. Mestre em Ciências e profissional de Educação Física. Atualmente Guilherme é aluno de Doutorado do Programa de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) onde estuda a influência do exercício físico sobre o metabolismo das gorduras e aterosclerose. Guilherme também é semifinalista do FameLab Brasil 2020, a maior competição de divulgação científica do mundo!

 

REFERÊNCIAS

  1. Mancuso S. Revolução das plantas: um novo modelo para o futuro. São Paulo: Ubu Editora. 1° ed. 2019.
  2. CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS - CGEE. Percepção pública da C&T no Brasil – 2019. Resumo executivo. Brasília, DF: 2019.
  3. Islam MS, Sarkar T, Khan SH, et al. COVID-19-Related Infodemic and Its Impact on Public Health: A Global Social Media Analysis. Am J Trop Med Hyg. 2020 Out;103(4):1621-1629..
  4. Vosoughi S, Roy D, Aral S. The spread of true and false news online. Science. 2018 Mar 9;359(6380):1146-1151.
  5. Okan O, Bollweg TM, Berens EM,et al. Coronavirus-Related Health Literacy: A Cross-Sectional Study in Adults during the COVID-19 Infodemic in Germany. Int J Environ Res Public Health. 2020 Jul 30;17(15):5503.
  6. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2020/10/brasileiros-resistem-as-vacinas-chinesa-e-russa-mostra-pesquisa.shtml