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“O Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”. Este trecho do poeta português Alberto Caeiro, um dos muitos heterônimos do grande poeta Fernando Pessoa, demonstra a importância que os rios sempre representaram na formação das civilizações e na vida das pessoas. Muitas vezes escutamos “este rio está tão poluído que está morto”. Talvez se diga isso porque o rio esteja estéril, sem vida alguma. Naturalmente, há vida mesmo em rios extremamente poluídos: existem as bactérias, os fungos e outros organismos que suportam tais condições insalubres para outros organismos como os peixes.
Contudo, creio que de maneira menos técnica, quando nos referimos à morte de um rio, pensamos principalmente nos peixes que nele habitam. Por exemplo, o rio Tâmisa na Inglaterra, começou a se deteriorar em 1610 e foi considerado um rio praticamente morto (sem peixes) até 1860. Longos anos de investimento e conscientização resultaram em uma recuperação do rio Tâmisa que culminou na constatação de cardumes de salmões, espécie de peixe sensível à poluição, subindo o rio na década de 1970.
Figura 1: Rio Tietê, nos arredores da Ponte das Bandeiras em 1917, quando o Tietê era parte do lazer dos paulistanos.
Em uma de suas últimas poesias, em 1945, “A Meditação sobre o Tietê", o poeta Mário de Andrade previa o futuro incerto que o rio Tietê enfrentaria. Escrevia Mário de Andrade: “Da Ponte das Bandeiras o rio murmura de água pesada e oliosa... Uma lágrima apenas, uma lágrima, eu sigo alga escusa nas águas do meu Tietê”. A situação pouco alentadora do rio Tietê descrita nas belas palavras de Mario de Andrade ainda permanece nos dias atuais, principalmente no trecho do rio Tietê que atravessa o perímetro urbano da cidade de São Paulo. O grupo de pesquisa do Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura (LAGOAA), da Universidade de Mogi das Cruzes, vem trabalhando em estudos da genética e fauna de peixes da bacia do Alto Tietê. Depois de vários anos de investigação podemos dizer, sim, as espécies nativas ainda resistem bravamente na região da nascente do rio Tietê.
Figura 2: A tabarana ou dourado branco, Salminus hilarii.
A tabarana (Salminus hilarii) é uma dessas espécies nativas do rio Tietê. O importante o cientista na área de peixes, o Dr. Rodolpho Von Ihering no livro “Da vida dos peixes: Ensaios e Scenas de Pescaria” de 1929: “Da Tabarana (Salminus hilarii) tivemos occasião de conhecer a desova há cousa de 15 annos, no Ypiranga... Esbarrando contra as redes e tapumes, não podiam as tabaranas voltar para o leito do rio e assim a pescaria rendeu algumas centenas de kilos de peixe...”. Os trabalhos do grupo mostram que há ainda populações de tabaranas aparentemente se reproduzindo e que são geneticamente diferentes de populações de outras localidades do Estado de São Paulo. As pesquisas conduzidas pela UMC, com o apoio da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp e do Departamento de Águas e Energia Elétrica do governo do Estado de São Paulo- DAEE, têm sido a base para os programas de conservação com o estabelecimento de um banco de germoplasma de reprodutores de tabarana na Estação de Piscicultura de Ponte Nova, onde a reprodução artificial de tabaranas selvagens tem sido realizada para produção de alevinos para posterior soltura em rios e riachos da bacia do Alto Tietê. Os programas de repovoamento vêm cumprindo também um papel de educação ambiental, pois têm sido acompanhados por crianças e adolescentes de escolas da região.
A conservação de qualquer espécie depende da pesquisa científica. As informações geradas e publicadas permitem estabelecer medidas de proteção e sobrevivência de uma dada espécie. Não se conserva aquilo que não se conhece. A ressureição do rio Tietê para os paulistanos, seu retorno como um cidadão querido e estimado por todos, depende da volta dos cardumes de peixes nadando livremente em seu trecho urbano. Assim, como o salmão que retornou às águas do Tâmisa, esperamos que a tabarana desça das cabeceiras do Tietê e adentre a cidade de São Paulo. Celebraremos sua volta ao lar. Vamos fazer da tabarana um símbolo do retorno à vida do Tietê, esperamos que ela retorne e nos faça mais humanos.
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Essas ideias foram escritas pelo Prof. Dr. Alexandre Wagner Silva Hilsdorf que é professor livre docente da Universidade de Mogi das Cruzes, onde coordena um grupo de pesquisa sobre conservação genética de organismos aquáticos e aquicultura no Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura (LAGOAA) no Núcleo Integrado de Biotecnologia. Nossos trabalhos podem ser acompanhados pelo Facebook.com/LAGOAA e http://www.umc.br/nucleos-pesquisa/lagoaa/index.php.
Para ler mais:
Ihering, R. 1929. Da vida dos peixes. Ensaios e scenas de pescaria. Comp. Melhoramentos de S. Paulo, São Paulo.
Silva, F.S.D., Deus, J.R.M., Hilsdorf, A.W.S., (2006). The upper reached ichthyofauna of the Tieteˆ River, São Paulo, Brazil: aspects of their diversity and Conservation. Biodiversity and Conservation, 15:3569–3577. (https://link.springer.com/article/10.1007/s10531-004-1460-y)
Marceniuk, A.P.; Hilsdorf, A.W.S., (2010). Peixes das Cabeceiras do Rio Tietê e Parque das Neblinas, Editora Canal6, 157 pp.
Marceniuk, A.P.; Hilsdorf, A.W.S. (2010). As Cabeceiras de um rio que ainda não morreu. Scientific American Brasil, 8(27): 50-53. (https://sciam.uol.com.br/as-cabeceiras-de-um-rio-que-ainda-nao-morreu/)
Marceniuk, A.P., Hilsdorf, A.W.S., F Langeani, F., (2011). A ictiofauna de cabeceiras do rio Tietê, São Paulo, Brasil. Biota Neotropica, 11(3): 217-236. (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-06032011000300020)
Silva, J.V., Hallerman, E.M., Orfão, L.H., Hilsdorf, A.W.S., (2015). Genetic structuring of Salminus hilarii Valenciennes, 1850 (Teleostei: Characiformes) in the rio Paraná basin as revealed by
microsatellite and mitochondrial DNA markers. Neotropical Ichthyology, 13(3): 547-556. (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-62252015000300547)