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Imagine a seguinte situação: você é um cientista trabalhando em um projeto para transmitir ondas de rádio via satélite. Suas experiências envolvem usar uma antena para detectar e medir essas ondas. Como elas são muito fracas, você vai atrás dos melhores instrumentos disponíveis e faz questão de eliminar qualquer possível interferência em suas medidas - afinal de contas, você não quer sua antena captando a novela das 9 ou algum reality show, certo? Mas para sua surpresa, ao apontar a antena para o céu, você recebe um sinal desconhecido e persistente. Você mira em outras direções e continua recebendo o sinal. Ele está lá dia e noite, incansavelmente. E na semana seguinte. E no mês seguinte. Você repete a medição em diferentes posições e nada muda. Você então formula duas hipóteses: talvez esse sinal esteja vindo do espaço e seja uma evidência de como o universo começou... ou... deve ser cocô de pombo dentro da antena! Se você apostou na primeira opção, acertou - embora os ganhadores do prêmio Nobel de física em 1978 tenham apostado na segunda.
Em 1964, os físicos Arno Penzias e Robert Wilson viveram essa história. Eles detectaram um sinal misterioso vindo de todas as direções no céu, que continuava mesmo depois de eliminarem todas as fontes de interferência possíveis. Os dois chegaram a culpar os pombos e suas excreções pela persistência do sinal, mas mesmo depois de uma bela limpeza na antena, o sinal continuava. Após consultarem colegas cientistas, veio a resposta que jamais imaginavam: eles haviam detectado a radiação cósmica de fundo, uma luz fraca que permeia todo o universo na forma de micro-ondas - mas que ao invés de estourar pipoca ou esquentar uma pizza congelada, fornece uma evidência de que o universo teve início com um Big Bang.
De acordo com esse modelo, há quase 14 bilhões de anos tudo que existe hoje no universo estava bem apertadinho e contraído em um único ponto. Através de uma rápida expansão do espaço, o universo inflou como um balão e espalhou seu conteúdo em todas as direções. Pode parecer uma teoria meio maluca - o próprio Einstein tentou modificar sua teoria da relatividade para fugir dessas ideias -, mas ela faz uma previsão curiosa: se toda essa história for verdade, então deveria existir uma radiação permeando todo o espaço, um resto mortal do Big Bang. E foi justamente essa relíquia fóssil do universo primordial que Penzias e Wilson estavam captando em sua antena.
Imagem da radiação cósmica de fundo. Fonte: NASA
A cereja do bolo é que os resultados obtidos pelos dois cientistas em suas medições casam perfeitamente com as previsões teóricas desse modelo para a origem do cosmos. Essa correspondência exata entre dados observacionais e teóricos não deixa dúvida: o universo realmente veio de um Big Bang.
Se você também quiser ouvir os chiados do Big Bang, não precisa ir atrás de uma antena: basta arranjar uma televisão analógica, daquelas antigas, e colocar em algum canal que não tenha sinal de transmissão de nenhuma emissora. Uma parte da estática, do ruído que você observa nesses canais, é justamente essa radiação cósmica remanescente da época em que nosso universo era um recém-nascido.
Infelizmente os tempos modernos de televisões digitais eliminaram essa bela oportunidade para entrarmos em contato com o universo. Aqueles que no passado se entretinham frente às televisões analógicas provavelmente ignoravam esses canais sem transmissão, rapidamente fugindo em busca de suas novelas favoritas. Mal sabiam que tinham a sua disposição todo um universo com desejo de se comunicar, evidenciando sua origem, mostrando de onde vêm todas as coisas ao nosso redor. Sem nem perceber, estamos todos banhados pelos ecos do Big Bang, sintonizados com o cosmos.
E você já ficou ouvindo a radiação cósmica de fundo na TV dos avós? Compartilhe esse texto!
Esse texto foi escrito por Igor Rosiello Zenker. Igor Zenker é cientista molecular por formação, pela Universidade de São Paulo - USP, e atua como professor de física e matemática desde 2014. Igor já participou da elaboração de simulados de vestibular para o jornal Folha de São Paulo e também de uma série de eventos de divulgação científica como representante da cosmologia.
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Para ler mais sobre:
https://super.abril.com.br/tecnologia/big-bang-retrato-de-bebe-2/
https://revistapesquisa.fapesp.br/retrato-do-universo-jovem/
Fontes:
Imagem de capa: https://www.spacetelescope.org/images/heic0611b/
Legenda: Hubble Ultra Deep Field (Campo Ultraprofundo do Hubble)
Fonte: NASA, ESA, S. Beckwith (STScI), HUDF Team